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Leitor, autor, legal, chato, estudioso, relaxado, engraçado, inconveniente, inteligente, lerdo, sentimental, viciado em Harry Potter, semihater de Twilight; algumas características de quem posta aqui nesse pedaço.

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Capítulo I: Chamada

Eu perdia totalmente a noção de tempo no Asfódelos. Não saberia dizer se fomos chamados para o Julgamento trinta minutos ou três horas depois. Mas sei que fomos chamados. Eu e os outros dez mortos que haviam chegado comigo. Os outros, que haviam chegado logo depois, ficaram pra próxima.
Fomos conduzidos ao chamado Purgatório. Nos sentamos em cadeiras extensas, feitas de ossos, esperando que o Juiz chegasse.
Os outros mortos estavam bem mais cabisbaixos que eu, com a exceção da ruiva e de uma criança, de aparentes doze anos; eu estava parcialmente excitado. Morrer na verdade não era tão trágico assim, uma vez que você submerge em outro mundo fantástico.
Então, o Julgamento começou. Não era um Juiz, mas sim três deles. Trajavam túnicas negras, seus rostos eram esqueléticos e assustadores. O terceiro tinha a expressão de mandar todos para os tais Campos de Punição, e senti medo de ser julgado por ele.
- Iniciamos mais um breve Julgamento Sentencial do Submundo, onde encontramos déz réis sem nenhum tipo ou opção de defesa. Vale ressaltar que, só lhes será permitido protestar quando o Juiz que lhes estiver julgando autorizar - disse o primeiro Juiz. - Começaremos por Albert Clackeinst. Dirija-se ao banco do réu.
O primeiro morto, um senhor barrigudo, levantou-se e foi até o banco do réu. Sentou-se, de cabeça baixa, e o terceiro Juiz o fitou, perplexo.
- Olhe-nos, imundo! - disse ele. - Encare seu julgamento com dignidade!
Albert levantou a cabeça num pulo. Seus olhos até pareciam marejados de lágrimas. Então, o primeiro Juiz iniciou o primeiro julgamento.
- Você confirma, sr. Clackeinst, que quando vivo costumava molestar crianças?
- Excelência, eu...
- Apenas diga se confirma, sr. Clackeinst!
- Eu confirmo, Excelência.
- Você confirma que este ato é irrevogável a ponto de que seja nosso direito sem protestos, sr. Clackeinst, mandá-lo diretamente para a Punição?
- Confirmo, Excelência.
- Você tem ciência de que de acordo com o Art. 566, Cláusula 1, o abuso de crianças é digno de Punição pós-morte, sr. Clackeinst?
- Eu me arrependo, Vossa Excelência! Eu imploro! - Albert caiu ajoelhado ao chão. Parecia em prantos. O juiz olhou-o com desprezo.
- Campos de Punição! Levem-no!
Então vieram do céu três morcegas gigantes, foi o que eu distingui. Suas mãos pareciam podres, cascudas; agarram-no pelos braços e pernas e levantaram voo novamente. Pude ouvi-lo berrando a distância, enquanto as monstras se distanciavam.
- Srta. Janne McJane, dirija-se ao banco do réu - disse o segundo juiz. A ruiva, que eu havia trocado breves palavras havia um tempo, levantou-se e foi até o banco do réu. Sentou-se e olhou para o juiz que a julgaria, sorridente.
- Quanta alegria, senhorita - disse o Juiz. - É até bom julgar alguém assim!
Janne sorriu outra vez e acomodou-se no banco. O segundo juiz começou o julgamento.
- O réu confirma ter matado o marido oito anos atrás?
- Confirmo, Excelência.
- Confirma que foi um homicío culposo, onde a maior intenção não era matar?
- Confirmo, Excelência.
- Confirma que acreditava vividamente no nosso julgamento e fazia sempre o melhor para ser bem julgada após a morte?
- Confirmo, Excelência.
- Muito bem, srta. McJane. Não vejo nada obscuro em sua vida. Fora uma boa pessoa, ajudando os mais necessitados. Elísio!
Janne levantou-se vibrante. Um senhor fardado de branco, com uniforme similar ao das Forças Marinhas Americanas, veio buscá-la. Ela acenou para mim e eu retribuí. Então, o terceiro juiz olhou-me fixamente.
- Isaac Newton, dirija-se ao banco do réu - disse-me ele, e eu estremeci calorosamente.

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Prólogo: A primeira visão

Meus olhos corriam desesperados por cada centímetro daquele lugar. Eu, e mais outros dez espíritos, estávamos embarcados sobre uma canoa, enquanto um outro ser encapuzado remava funestamente. Era desesperador - torturante. Eu estava sendo direcionado diretamente para um lugar que, quando eu era vivo, jamais acreditei existir. Nunca acreditei que, mesmo após a morte, continuaríamos vivos, sentindo as mesmas sensações. Eu ouvia os outros mortos murmurarem alguma coisa sobre três reinos, três partes, não sei muito bem. Na verdade, nada eu sabia sobre o lugar para que nós estávamos sendo levados. Resultado, talvez, da minha incredulidade.
O senhor encapuzado ancorou ao chegarmos à margem. Ao sairmos do barco, passamos vagarosamente por baixo de um imenso - sim, muito, muito grande - cão de três cabeças. Foi quando chegamos a um lugar que, se o planeta Terra fosse plano, seria o espaço que aquilo ali ocupava. A imensidão ainda assim era devastadora. A infelicidade que era presente na atmosfera era agonizante, o que fez-me sentir mal imediatamente. O senhor encapuzado murmurou algo, que não prestei muita atenção, e voltou ao barco, tornando a remar de volta.
Eu não sabia o que fazer, e nem onde estava. Mas então, ao olhar pra cima, avistei a placa que dizia, com letras em formatos de ossos:


CAMPO DE ASFÓDELOS


Pra falar a verdade, o nome não adiantou muito. Eu não fazia a menor noção do que seria Campo de Asfódelos, mas imaginei que fosse o lugar para onde todos os mortos do mundo iam, pois eu levaria três vidas para contar quantas almas haviam ali, vagueando pela densidade do ar.
Percebi, então, que minha poderosa inteligência quando vivo não me era muito útil ali, no Campo de Asfódelos. Eu nada sabia. As pessoas que vieram no barco comigo pareciam muito mais familiarizadas. Arrependi-me de ter sido tão cego e ignorante para com os outros. Virei-me para uma moça de longos cabelos ruivos e perguntei:
- Aonde estamos, afinal?
Ela pareceu sorrir.
- Aguardando pelo Julgamento, senhor.
- Que julgamento?
- Para saber se nossas almas estão condenados aos Asfódelos, aos Elísios ou ao Campo de Punição.
- Como assim? Isso não existe, moça...!
Ela pareceu sorrir novamente, desta vez desdenhosa, e parou de me responder.
Mas eu sabia que eu agora acreditava. Isso
existia. E eu estava realmente ali, morto, esperando para ser julgado em um mundo que eu não conhecia.

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